1. Enquadramento
Perante a necessidade de adotar medidas rigorosas que permitissem diminuir o ritmo do aumento dos contágios por COVID-19, foi declarado o Estado de Emergência, nos termos constitucionalmente previstos, com as medidas excecionais expressamente contempladas no Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, regulamentado pelo Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março.
Estas medidas tiveram um enorme impacto a todos os níveis, nomeadamente, a nível económico com a contração da economia e a consequente quebra de faturação das empresas e diminuição dos rendimentos das famílias.
Tendo presente este contexto, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, que implementou uma moratória, designada moratória legal, para os clientes bancários e aplicável apenas a contratos de crédito para habitação própria permanente, por contraposição a outras moratórias, a que posteriormente faremos breve referência, aplicadas pelas diversas instituições financeiras, aos respetivos clientes, segundo critérios pelas mesmas definidos.
2. Medidas previstas – Breve referência
De forma sucinta, e em conformidade com o disposto no Artigo n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, diremos que as medidas aprovadas visaram proteger determinados encargos, particularmente de natureza creditícia, das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social (IPSS), associações sem fins lucrativos e demais entidades da economia social, tendo também sido implementado um procedimento de concessão de garantias do Estado em caso de emergência económica nacional, previsto no Artigo n.º 12º da legislação em análise.
Do elenco de medidas aprovadas, no que se refere à moratória legal de crédito, salientam-se as seguintes:
- Proibição da revogação das linhas de crédito contratadas, bem como a prorrogação ou suspensão dos créditos até ao término do período de vigência da moratória;
- Inclusão dos créditos, respetivos juros e garantias. No que respeita aos juros, salienta-se que fica na disponibilidade dos clientes bancários optar pelo seu pagamento ou não, sendo certo que, caso optem pela suspensão do pagamento, findo o prazo de vigência da moratória, os mesmos serão capitalizados;
- Proibição da revogação das linhas de crédito contratadas e a prorrogação ou suspensão do pagamento de créditos.
As condições para o acesso a esta moratória, bem como as diligências a adotar para solicitá-las, estão previstas, respetivamente nos Artigos n.ºs 2 e 5, do decreto lei em análise.
3. Prorrogação do prazo de vigência da moratória legal
As medidas implementadas por via desta legislação tinham um prazo de vigência inicial de 6 (seis)meses, ou seja, até 30 de setembro de 2020.
Sucede, contudo, que face ao grande impacto que a pandemia do COVID-19 tem tido sobre a nossa economia, cujos efeitos são, e só podem ser, progressivamente avaliados, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 26/20, de 16 de junho, mediante o qual prorrogou, automaticamente, o prazo de vigência da moratória anteriormente aprovada para 31 de março de 2021.
Significa isto que quem já se encontra a usufruir das prerrogativas concedidas pela moratória legal, continuará a usufruir sem necessitar de efetuar nova solicitação, e quem ainda não aderiu à moratória deverá fazê-lo impreterivelmente até 30 de junho de 2020.
A título informativo, refere-se que o diploma legal ora mencionado implementou algumas medidas adicionais, nomeadamente, a extensão do âmbito de aplicabilidade da moratória aos emigrantes, a adoção de novo fator de elegibilidade que se prende com a perda de rendimento global de 20% do agregado familiar do mutuário e a possibilidade de essa perda resultar não apenas da perda de rendimento do mutuário mas de outro membro do respetivo agregado familiar. A moratória passa, ainda, a incluir todos os créditos hipotecários, locação financeira de imóveis, e créditos para finalidades de formação profissional.
4. As diferenças entre a moratória legal acima explicada e as moratórias privadas
As moratórias, que comummente se designam por “privadas” são todas aquelas concedidas aos clientes particulares por parte das instituições financeiras segundo critérios de elegibilidade por estas definidos. É importante ter presente que a maior parte das entidades financeiras implementaram moratórias cujo âmbito de aplicabilidade foi muito além do estipulado na moratória legal, precavendo, assim, muitas situações de incumprimento e o agravamento do contexto económico.
As moratórias ditas particulares são aplicáveis a créditos pessoais e, antes da aprovação do Decreto-Lei n.º 26/20, de 16 de junho, já incluíam alguns créditos hipotecários não abrangidos pela moratória legal.
5. Modalidades de utilização das moratórias privadas
Podem ser utilizadas, à semelhança do que sucede com as moratórias legais, sob a forma de suspensão de capital e juros, havendo lugar, neste caso, à capitalização dos juros, ou de suspensão de capital, consoante a opção do mutuário.
6. Repercussões da adesão às moratórias sobre os créditos
As repercussões das moratórias sobre os créditos far-se-ão sentir a três níveis:
- Aumento do prazo de vigência dos créditos pelo período corresponde ao prazo de utilização da moratória;
- Aumento do valor em dívida pela capitalização de juros, no caso da opção pela suspensão do pagamento de juros e capital;
- Aumento do valor dos juros vincendos na sequência do aumento do capital em dívida.
7. Considerandos finais
Esta medida tem sido questionada precisamente por se traduzir num aumento da dívida por parte dos mutuários que a ela recorrerem, sobretudo na modalidade de suspensão do pagamento de capital e de juros.
E o aumento da dívida por parte dos mutuários é uma realidade, porquanto a moratória não consubstancia um perdão de dívida, mas sim uma suspensão do prazo para pagamento desta.
Sendo certo que as repercussões se traduzirão, a médio prazo, num aumento do endividamento das empresas e famílias, é necessário, salvo melhor opinião, ter presente o seguinte:
- A moratória foi aprovada num contexto de grave incerteza económica, a qual, pela diminuição de rendimentos e pelo incumprimento de obrigações previamente assumidas, teria como consequência imediata a rápida deterioração das condições económicas das famílias e do tecido empresarial português.
- Neste contexto, tão específico, as moratórias vieram minimizar situações de incumprimento, as quais teriam consequências ainda mais graves quer para as famílias quer para as empresas.
- A bondade desta solução só poderá ser aferida quanto terminar o prazo da moratória. Na verdade, não existem, na presente data, suficientes indicadores económicos que permitam concluir, com segurança, que as famílias e o tecido empresarial português se encontrem mais robustecidos no terminus da moratória.